Querendo ou não, a gravidez e o parto são eventos sociais. É um processo singular, uma experiência especial no universo da mulher, do seu parceiro, das suas famílias e da comunidade. Todos se preparam para a chegada de um novo membro. Fraldinhas e enxoval são cuidadosamente providenciados por todos. Na maternidade, os olhares curiosos querem ver aquele rostinho pela primeira vez, abraçar seus pais e fazer um belo registro do momento. Entretanto, passada a euforia, é comum que sejamos tomadas por uma solidão imensa.  

Durante nove meses vemos nosso corpo se transformar, adquirir uma nova forma redonda e feminina. Geramos não somente uma criança, mas uma expectativa que não é apenas nossa, mas de toda uma sociedade que nos cerca. Ora, se temos tanto apoio e tanta compreensão no momento da gravidez, por que nos sentimos tão solitárias na maternidade? Reparem que a solidão não é somente física. As mães se sentem sozinhas mesmo em uma casa lotada de parentes. Me pergunto: Por que essa conta não fecha?  

Essa matemática é mesmo difícil de encarar. E vou confessar que só consegui, de fato, ter noção do que compartilharei aqui após ter vivido, na pele, o puerpério. É um insight que só quem passa consegue enxergar. Quando temos um bebê no colo tudo muda: as prioridades, os horários, a playlist do celular, os lugares que frequentamos, nossos gostos, nossa essência e por aí vai… Apesar de todas as mudança, é fato que a nossa sociedade ainda não apoia o puerpério. Posso dizer isso sem medo de me equivocar. Se uma gestante precisa ir ao banco, por exemplo, ela entra em uma fila de espera preferencial. Uma mãe com um recém-nascido em aleitamento exclusivo que ficou em casa com a avó enquanto ela vai rapidamente ao banco recebe olhares de julgamento ao entrar na fila preferencial (mesmo com a placa indicadora de seus direitos). Se está sem o bebê os olhares ignorantes reprovam sua atitude de entrar na fila preferencial, se está com o bebê os olhares reprovam a saída de casa com uma criança tão pequena. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde orientam o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade, porém a licença maternidade na maioria das empresas e para as trabalhadoras autônomas se encerra ao final de 4 meses. Existe também a pressão oculta pelo rápido retorno ao estado pré-gravídico. Convencionou-se que o puerpério tardio se estende até 6 semanas, ou seja, 42 dias e que a partir daí a mulher já estaria apta a sair – literalmente – da quarentena e retomar a sua vida social, pessoal e sexual. Muitas vezes esta liberação acontece de forma equivocada por nós médicos, que orientamos a paciente sem a sensibilidade de tomar conhecimento de seu contexto psicológico e familiar. 

O corpo vaza, chora, sangra, incha e cansa. Ao “endeusarmos” a gravidez esquecemos de nos preparar para passar ou conviver com alguém que irá passar por essa montanha russa. Tenho a impressão de que a “puerpériofobia” é tão grande que se evita, a todo custo, falar nele e ao vivenciá-lo tentamos colocar um prazo para que acabe o mais brevemente possível. Infelizmente a grande realidade é que não acaba quando convencionamos. Cada mulher possui o seu tempo de vivenciar a transição para a maternidade e essa duração não pode ser prevista, ou mesmo, ignorada.  

Quando nos referimos a “rede de apoio” estamos nos referindo a todas as pessoas que irão contribuir para que a base da relação “mãe-bebê” seja formada. É montar o palco para que seus atores principais possam desempenhar seu papel sem transtornos. Eu nunca ouvi falar de ator nenhum que ganhou o Oscar sem uma excelente equipe de produção nos bastidores. A grande verdade é que ninguém terá uma conexão tão intensa com o recém-nascido quanto a mãe e essa relação precisa ser protegida desde o nascimento. Ao contrário do que muitos imaginam a melhor forma de ajudar nesse momento não é retirando o bebê de perto da mãe para que ela possa descansar, mas arrumando o ambiente para que ela não tenha que se preocupar com mais nada a não ser os cuidados e a formação do vínculo “mãe-bebê”.  

Mesmo não querendo é muito fácil cairmos na armadilha da “super-mulher”. Durante anos o conceito de que a mulher deve dar conta da casa, dos filhos, do parceiro e do trabalho faz com que muitas se atolem de tarefas que não conseguem cumprir gerando frustração pessoal, além de exaustão. Fomos criadas dessa forma pois foi o modelo dominante por gerações anteriores e é natural que a quebra dessa barreira nos gere um certo desconforto ou sentimento de culpa, mas a verdade é que ter ajuda no puerpério não é sinônimo de derrota ou item de luxo. Dependendo da conformação familiar e financeira de cada família essa ajuda pode ser do marido, de uma mãe ou sogra, de amigos, de vizinhas ou até de alguém especificamente contratado para isso.  Acredite, os dias passam voando e muito estresse e cansaço serão evitados ao aceitar pequenas ajudas. 

 Repita comigo: “Eu não serei menos mãe se aceitar ajuda” 

 Repetiu? Agora em voz alta: “Eu não serei menos mãe se aceitar ajuda”  

De novo: “Eu não serei menos mãe se aceitar ajuda”.  

(E repita quantas vezes for necessário). 

Existe um ditado que diz que é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança e ele não poderia ser mais real. Depois que nos tornamos pais começamos a entender que é preciso que toda a comunidade esteja comprometida com a educação e a saúde infantil e isso inclui desde pequenas ações do dia a dia até a implementação de políticas públicas de apoio.  

Uma das coisas mais importantes que a rede de apoio deve saber é que, apesar do nascimento ser considerado um “evento”, nenhuma convenção social será mais importante do que a proteção e cuidado do binômio “mãe-bebê”. Ela pode atuar das mais diversas formas e começar ainda durante a gestação no processo de acompanhamento das consultas de pré-natal. Após o parto pode atuar afastando as visitas mais inconvenientes e participar como “porta voz” em ligações ou mensagens. 

 Assumir a responsabilidade pelas tarefas da casa é outra forma de ajudar. Um ambiente organizado alivia a tensão e facilita a formação do vínculo entre mãe e bebê. Simples tarefas como lavar a louça, varrer o chão, tirar o lixo ou passear com o cachorro podem fazer toda diferença. Oferecer um simples copo de água durante as mamadas, colocar o neném para arrotar, trocar fraldas e olhar o bebê enquanto a mãe toma um banho ou se alimenta são atitudes simples e fáceis de serem realizadas. Se houver mais crianças na família a rede de apoio pode ajudar para que não se sintam preteridos frente ao recém-nascido.  

Uma outra ajuda eficaz é o elogio. Frases como “você está se saindo muito bem”, “você é uma excelente mãe”, “estou orgulhoso de como você está passando por esse momento”, “isso é uma fase e passaremos por ela juntos” podem ser como um oásis no meio do deserto para a mãe que mal teve tempo de pentear o cabelo e escovar os dentes pela manhã.  

 ESTABELECENDO LIMITES 

Com a entrada de um novo membro toda a família passa por um processo de reestruturação. Assim como você está saindo do papel de “filha” para o papel de “mãe” o seu marido irá assumir um novo papel de “pai”, os pais de vocês agora assumirão papel de “avós”, etc. E é, de uma certa forma, compreensível que essa mudança não aconteça de uma hora para outra uma vez que são responsabilidades, direitos e deveres diferentes do que foi estabelecido por anos.   

É um processo que leva um certo tempo e que não conseguimos prever o quanto irá demorar, mas quando tomamos consciência que ele existe conseguimos sofrer menos através do estabelecimento de limites.  

Durante meus atendimentos acompanho muitas famílias que sofrem com essa mudança. Posso dizer que uma das mais comuns é a presença da avó no meio familiar. Com a intenção de ajudar, a avó praticamente se muda para a casa dos novos pais e impõe as suas regras e rotinas na vida daquele casal. Entenda, isso não é necessariamente ruim. Existem famílias que gostam e almejam esse tipo de apoio. Mas se isso te fere de alguma forma será preciso o estabelecimento de certos limites.  

Não existe uma regra geral de até onde é possível ou não ir, você quem irá definir isso no seu papel de mãe e mulher a receber suporte. Não é porque as pessoas irão voluntariamente prestar uma ajuda a você e seu bebê que elas devem exercer um papel de domínio sobre a sua casa e a sua rotina. Não espere que as pessoas tenham “bom senso” pois o que pode ser óbvio para mim e para você pode não ser para a sua sogra, por exemplo. E isso não quer dizer que ela faça qualquer coisa por “maldade”. Precisamos entender que somos pessoas diferentes, com criações e bagagens diferentes e que cada um desenvolveu a sua própria narrativa e sua versão do que é razoável ou não. Ela pode querer ajudar demais por não ter recebido qualquer ajuda, ou mesmo ajudar de menos por ter sofrido com a falta de limites de sua família no passado.  

Existem duas regras básicas para que as coisas funcionem da maneira mais harmônica possível nesse período. A primeira delas é: você precisa se conhecer. A segunda é: você e seu parceiro (ou parceira) precisam conversar sobre isso. Não existe estabelecimento de limites sem que vocês se conheçam e definam juntos quais práticas seriam aceitáveis durante esse período e o melhor momento para essa conversa acontecer é ainda durante a gestação (se possível até antes). Ao alinhar seus sentimentos e expectativas vocês se fortalecerão como casal e evitarão muito desgaste posterior, além de conseguir lidar com os parentes mais intrusivos de forma mais assertiva.  

Exercício (faça sozinha e depois com seu parceiro) 

  1. Como você geralmente lida com situações de estresse? (se isola, conversa com alguém, faz exercícios etc.) 
  2. Como você geralmente lida com a privação de sono?  
  3. Você é uma pessoa regrada, que segue horários à risca e já possui uma rotina?  
  4. Como você se sente quando as coisas não acontecem dentro do planejado?  
  5. Quais são as coisas ou pessoas que te acalmam? 
  6. O que te traz paz? (ver um filme, ouvir uma música, ficar em silêncio, meditar, cantar, ler um livro, conversar com uma amiga etc.)  
  7. Quem você gostaria que venha te visitar quando você estiver em um momento de extremo cansaço e vulnerabilidade?  
  8. Escreva aqui o nome de uma pessoa que te dá um abraço que te traz paz:  
  9. Quem você gostaria que te visitasse na maternidade? A partir de quando? (assim que o bebê nascer, 12 horas após o nascimento, 1 dia após o nascimento…)  
  10. Quem você gostaria de receber na sua casa no primeiro mês após o parto?  
  11. Quem você não toleraria receber na sua casa no primeiro mês após o parto? 
  12. Escreva aqui o nome de uma pessoa que você acredita que te ajudaria no seu puerpério:  
  13. Você acredita que precisará estabelecer limites com ela? 
  14. Você ficaria confortável em receber conselhos dessa pessoa a respeito da sua recuperação ou dos cuidados com o recém-nascido?  
  15. Você ficaria confortável em ter essa pessoa dentro da sua casa por mais de 10 horas por dia?  
  16. Você acredita que essa pessoa seja proativa e não dependa de você para a tomada de decisões?  
  17. Você gostaria que essa pessoa tomasse algumas decisões por você em relação a sua casa?  
  18. Existe alguma coisa que essa pessoa possa fazer que te fira pessoalmente? (exemplo, entrar na sua casa sem você permitir, dar chupeta ao bebê sem o seu consentimento etc.)